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Mudar a lei é fazer da Justiça um instrumento de vingança

Até o momento este blog ainda não havia se manifestado sobre a polêmica da redução da maioridade penal. Para abrir o debate irá abaixo um texto publicado pelo jornal Folha de São Paulo e escrito pela jornalista Suzana Singer, de título original Idade da Inocência.

O tema é delicado, contudo deve ser tratado na mais clareza de ideias possível e, sobretudo, de cabeça fria, sem sentimentalismos exacerbados ou, como o título sugere, apenas por desejo de vingança.

Assim como todos os temas considerados delicados.

“O depoimento de Luiza Pastor, 56, publicado no domingo passado, destampou uma reação furiosa. Estuprada aos 19 anos, a jornalista revelou agora sua história como um testemunho contra a redução da maioridade penal: mesmo tendo sido subjugada por um menor de idade, ela defende que mudar a lei é fazer da Justiça um instrumento de vingança.

O relato de Luiza desencadeou um linchamento virtual. No site da Folha, foram postados 300 comentários, 94% com críticas e ofensas à jornalista. O colunista da “Veja” Reinaldo Azevedo chamou o depoimento de “asqueroso” e obteve o apoio de 982 comentários.

O leitor H.E. escreveu para a Folha contando que sua mulher vomitou ao ler o texto. “Ela também foi vítima de violência sexual e se indignou, porque a jornalista parece dizer que, diante das mazelas sociais, não é legítimo nem defender seu próprio corpo”, afirmou.

Tamanha revolta revela a carga emocional que envolve o debate sobre violência. Objetivamente, o que se podia criticar na edição da Folha era a introdução, muito simplista, dada ao depoimento: “O principal argumento dos defensores da redução da maioridade penal pode ser sintetizado em uma frase: ‘Queria ver se fosse com você’. Pois foi com a jornalista Luiza Pastor, 56, casada e mãe de uma menina. Com apenas 19 anos, Luiza, ainda estudante da USP, foi estuprada por um garoto menor de idade. Experiência tão traumática, entretanto, não a transformou em defensora da redução da maioridade penal”.

um desrespeito intelectual resumir os argumentos de quem defende diminuir a maioridade penal a “queria ver se fosse com você”. Em duas colunas publicadas no mês passado, Contardo Calligaris enumera várias razões para reduzir a idade de responsabilização criminal, sem apelar para a falácia de que só defende bandido quem nunca sofreu na carne.

Mas, tirando o problema da introdução, o depoimento publicado foi um acerto do jornal, que não percebeu de antemão o seu potencial explosivo. Não havia chamada na “Primeira Página” de domingo para o relato de Luiza, mesmo sendo tão incomum.

A história da jornalista atiçou a discussão sobre maioridade penal, que está na pauta no último mês por causa de dois crimes bárbaros cometidos com a participação de menores: o assassinato do universitário Victor Hugo Deppman, 19, e o da dentista Cinthya de Souza, 46.

Nesse período, a Folha publicou seis artigos contra a proposta de baixar de 18 para 16 anos a idade em que o cidadão se torna imputável. A favor, apenas as duas colunas de Contardo Calligaris. No meio-termo, dois autores defenderam manter os 18 anos como parâmetro de criminalização, mas endurecer as penas aplicadas a menores em casos de crimes hediondos.

O “6 a 2” do placar dos artigos da Folha não reflete a opinião da população. Pesquisa feita pelo Datafolha em 15 de abril revelou que 93% dos paulistanos concordam com a diminuição da maioridade penal (6% são contra e 1% não soube responder).

Quando foi publicada, a pesquisa foi alvo de críticas por ter sido feita no calor do assassinato do jovem Victor, mas os resultados anteriores mostram que o apoio à redução da maioridade penal não é circunstancial (em 2003, 83% eram a favor; em 2006, 88%).

A posição da Folha, expressa nos editoriais, não coincide totalmente nem com o que pensa a quase totalidade dos paulistanos nem com o que defende boa parte dos seus colunistas. O jornal é contra reduzir a maioridade penal para 16 anos, mas é a favor de elevar o tempo máximo de internação de jovens que cometeram crimes contra a vida -hoje, é de, no máximo, três anos.

O desafio nessa cobertura é manter o equilíbrio. É preciso dar voz aos que, inconformados com a impunidade, bradam por penas mais severas, mas também aos que acreditam que ampliar o castigo não resultará em mais segurança.”

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