Eu devia agradecer ao Senhor por ter tido sucesso na vida como artista; Eu devia estar feliz porque consegui comprar um Corcel 73.
Eu devia estar alegre e satisfeito por morar em Ipanema, depois de ter passado fome por dois anos aqui na Cidade Maravilhosa.
Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida, mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto perigosa.
Eu devia estar contente por ter conseguido tudo o que eu quis, mas confesso abestalhado que eu estou decepcionado – porque foi tão fácil conseguir, e agora eu me pergunto “E daí?”; eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar e eu não posso ficar aí parado.
Eu devia estar feliz pelo Senhor ter me concedido o domingo pra ir com a família no Jardim Zoológico dar pipoca aos macacos.
É você olhar no espelho e se sentir um grandessíssimo idiota. Saber que é humano, ridículo, limitado; que só usa dez por cento de sua cabeça animal.
E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial. Que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social.
Eu é que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada e cheia de dentes, esperando a morte chegar.
Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais, no cume calmo do meu olho que vê, assenta a sombra sonora de um disco voador…