1

Sarney, sua sina

sarney-e-roseanaEditorial Folha de S. Paulo

Ao oficializar sua decisão de não concorrer ao Senado Federal no pleito deste ano, o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) dificilmente estará dando por terminada, ao mesmo tempo, sua participação na vida política nacional.

Homem de bastidores, eficiente na consolidação de um círculo de familiares e dependentes fiéis a um projeto paternalista de poder, o senador chega aos 84 anos mantendo influência no seu Estado de origem, em setores expressivos do governo Dilma Rousseff (PT) e do Legislativo.

Seria incorreto tomar o veterano parlamentar maranhense como o núcleo de tudo o que há de arcaico na política, bastando seu afastamento para que estivesse garantido o ascenso de lideranças menos ambíguas e fisiológicas ao palco.

Ironicamente, promessas desse tipo acompanharam seus primeiros passos na vida pública. Sua eleição para o governo do Maranhão, em 1965, foi vista como um momento renovador, impondo fatal revés ao poder coronelista do pessedista Victorino Freire.

Registrado pelas câmeras de Glauber Rocha, o triunfo do jovem representante da “UDN bossa-nova” não tinha como não adaptar-se às circunstâncias, nada democráticas, do lugar e do tempo em que se situou. Um senso infalível para a adaptação –e, vale dizer, o temperamento para encará-la com mais conforto do que com sacrifício– marcou o percurso de José Sarney durante o regime militar.

A debacle do sistema encontrou Sarney já no PFL. Foi importante sua presença entre os que aderiram à candidatura oposicionista de Tancredo Neves, em 1984.

A morte imprevista de Tancredo impôs a José Sarney, seu vice, o desafio de assumir a Presidência com escassa legitimidade e mínimo reconhecimento de seus pares, enquanto o país estava em situação econômica gravíssima.

O seu melhor momento, no Plano Cruzado, terá sido, também, sua sina. O congelamento de preços levou sua popularidade a níveis com que nenhum político poderia sonhar àquela altura.

Desintegrado o plano, Sarney passaria a magnetizar, para sempre, sentimentos de hostilidade e frustração no plano nacional.

Persistindo na política, José Sarney acumulou uma simbologia que, a rigor, outras figuras poderiam igualmente encarnar, sem o benefício de se terem conduzido com dignidade e equilíbrio num dos mais difíceis mandatos presidenciais de que se tem notícia na história republicana do país.

Marco Aurélio D'Eça

One Comment

  1. O texto de Joaquim Haickel é mais completo e muito melhor que esse da Folha de São Paulo.

Deixe um comentário para Waldimir Filho Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *