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E o STF salvou a Lava Jato…

Por Marcos Lobo

Durante as duas últimas semanas o STF decidiu que o réu delatado deve se manifestar, nas alegações finais, depois do réu delator.

Deveria ter dito mais, ou seja, de que o réu delatado, do início até o fim do processo, sempre e imprescindivelmente, tem o direito de falar por último.

Não vou aqui ensinar o que todos já sabem faz séculos: o delator acusa o delatado e, como regra universal de civilidade, a defesa do acusado sempre vem depois da acusação.

Isso, o acusado falar depois (por último), não é invenção do STF, pois é construção de milênios da existência da humanidade (para maiores esclarecimentos consultem a Carta Magna inglesa, a Declaração Universal dos Direito do Homem, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, as declarações americanas – Virgínia e da independência -, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto de San Jose da Costa Rica – Convenção Americana sobre Direitos Humanos –, e tantos outros pactos, declarações e convenções internacionais).

É possível mesmo dizer que isso já era previsto nas primeiras “leis”, por exemplo, no Código de Hamurabi etc.

Quiçá, isso, o direito de falar depois, é derivado do que o homo sapiens colheu da natureza ou, na pior das hipóteses, é uma “realidade imaginada” concebida pelo homo sapiens a partir da revolução cognitiva (para maiores esclarecimentos consultem Yuval Noah Harari – Sapiens: Uma breve história da humanidade, Homo Deus – Uma breve história do amanhã e 21 Lições para o Século 21).

Aliás, aqui prá nós, isso é regra doméstica, cotidiana, própria da natureza, e – para usar uma linguagem mais técnica – da dialética, de que a defesa vem sempre depois da acusação. Tese e antítese, dizer e desdizer etc.

Em suma, o acusado, o delatado, o réu, a antítese, o desdizer etc. somente existe a partir e em razão do outro antecedente (o acusador, o delator, a autor, o dizer, a tese etc.). Um é condição sem a qual o outro não existe, ou melhor, o que vem depois não tem razão de existir (suponho que inexistirá) se o antecede não se apresentar. Um é matéria prima, a substancia primordial, do outro.

E já pararam para pensar nas “leis da natureza”? Vamos lembrar um pouco da física? Ação e reação (duas forças, sentidos contrários etc.), por exemplo? A reação, como se sabe, precisa que primeira aja uma ação. Custa nada dar uma relida nas Leis de Newton (o Isaac).

Numa pergunta simples: o que vem antes, a pergunta ou a resposta? Há respostas sem perguntas? Ou seja, o normal é que o desdizer vem sempre depois do dizer. Já ouviram falar em contraditório? Reflitam sobre a palavra contradizer.

E vós, os religiosos, não esqueçam de lembrar o que já leram, ou deveriam ter lido, nos seus livros sagrados. Os cristãos, a quem estou mais familiarizado, bem sabem que de genesis a apocalipse o acusar, defender e julgar sempre sequem essa linha do tempo do dizer.

Até os seres não sapiens, os não nós, compreendem isso: sabe, a gazela que foge do leão? Ação e reação. Ataque e defesa.

Bem, acho que já me fiz compreender, ou, para ser bem claro para o tema do texto, o STF não inventou ou criou absolutamente nada, pois tudo isso já estava aí desde sempre.

Um ponto final nessa parte: o STF disse apenas e tão-somente o óbvio.

O que se tem, portanto, ao reverso do que o acusam, é que o STF, lá com o seu jeitão desajeitado, salvou a Lavajato.

A acusação contra o STF é que na lei que criou a delação não há previsão de que a defesa do delatado se manifeste após a do delator, que também o Código de Processo Penal não prevê isso etc. e que o STF criou uma regra onde não existia.

Esta tese de acusação contra o STF, se aplicada conforme as regras do jogo, ensejaria o inverso do que ela prega, pois se a lei da delação não contempla o direito de ampla defesa e contraditório (o direito do acusado de falar por último), direitos estes previstos na Constituição, a lei da deleção seria inconstitucional e, por isso, sem validade, a provocar a declaração de inconstitucionalidade da lei e, por conseguinte, a declaração de nulidade de todas as delações e, como se sabe, as delações foram e ainda são a única substância que dar vida à Lavajato.

Sem a delação inexistiria a Lavajato. Continue lendo aqui…

Marco Aurélio D'Eça

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