Ex-dirigente do PSTU, hoje no PT, rompe com o radicalismo da ultra-esquerda e defende a ampliação das alianças socialistas para barrar o crescimento da extrema-direita e do bolsonarismo

AVANÇO IDEOLÓGICO. Marcos Silva alerta para o risco do isolacionismo da esquerda e o perigo do bolsonarismo à espreita
Em artigo publicado em suas redes sociais nesta segunda-feira, 7, o militante socialista e ambientalista Marcos Silva expõe a sua evolução ideológica e faz um resgate histórico da esquerda nos últimos 25 anos, apontando para as eleições presidenciais de 2026.
“O cenário eleitoral de 2026 será decisivo. O bolsonarismo, embora ferido, segue vivo, com base social organizada e apetite por poder. Nesse contexto, a frente ampla que sustenta o governo Lula não é uma concessão vergonhosa – é uma trincheira necessária. Trata-se de garantir a sobrevivência da democracia, não de nutrir ilusões institucionais”, admite Silva, para completar: “Abandonar essa frente em nome de uma pureza ideológica abstrata é, na prática, abrir caminho para o avanço da extrema-direita. Não se trata de abdicar do horizonte socialista, mas de reconhecer que ele não virá sem democracia, sem organização concreta e sem mobilização popular.”
Marcos Silva foi um dos fundadores do PSTU no Maranhão e um de seus principais dirigentes durante mais de 20 anos. Ambientalista, funcionário de carreira da Caema, ele filiou-se ao PT a partir do governo Flávio Dino (PCdoB).
- Tido por extrema esquerda, o PSTU prega a revolução do proletariado e pureza ideológica no embate político;
- Marcos Silva mostra que esta utopia não prevalece na realidade concreta, que exige ações concretas no poder.
“Falo com a experiência de quem passou 25 anos construindo, organizando e defendendo o PSTU – um partido que se propunha a realizar uma revolução “puro sangue”, dirigida exclusivamente pelos trabalhadores, sem qualquer forma de conciliação. Acreditei nisso com todas as forças. Durante esse período, enquanto denunciávamos a democracia burguesa e recusávamos alianças táticas, o fascismo ganhava terreno no subsolo da sociedade. Em 2018, vimos o resultado: a vitória de Jair Bolsonaro. Não porque nossa crítica estivesse errada, mas porque subestimamos a complexidade da luta política real. Pagamos um preço alto por nos afastarmos da realidade concreta em nome de uma ideologia abstrata”, ponderou o ativista.
O artigo de Marcos Silva é uma tentativa de falar com a sociedade para além da esquerda radical, entendo a realidade do país e buscando formas de manter um governo que avance alinhado às necessidades das camadas mais populares e da classe trabalhadora, em diálogo com todos os setores socais.
O que representa, sem dúvida, uma evolução ideológica concreta…
Leia abaixo a íntegra do artigo:
Ilusão Revolucionária ao Realismo da Luta: Por que a Esquerda Precisa Sair da Bolha e Construir um Caminho Concreto para o Socialismo
Por Marcos Silva, ativista do PT e da Federação Brasil da Esperança
Há algo de profundamente sintomático no estado atual de parte da extrema esquerda brasileira. Enquanto o mundo real exige organização paciente, luta concreta e articulação ampla para barrar retrocessos, setores como o PCBR Reconstrução Revolucionária se refugiam em uma política imaginária, na qual a revolução seria sempre iminente — desde que se aplicasse a linha “correta”.
Mas política não se faz com pensamento positivo ou voluntarismo. Como ensinava Lênin, trata-se de uma análise concreta da situação concreta. E a conjuntura atual exige responsabilidade, estratégia e compreensão profunda da correlação de forças. Não há espaço para o infantilismo revolucionário travestido de pureza ideológica.
A Militância Encenada: o Caso do Congresso dos Bancários do Maranhão
O recente Congresso dos Bancários do Maranhão é um exemplo eloquente da desconexão entre discurso e realidade. Na mesa de abertura, cerca de 15 organizações políticas e sindicais se revezaram em falas inflamadas. Entretanto, havia na plateia uma quantidade reduzida de pessoas diante do potencial de mobilização da categoria bancária no estado — em sua maioria, dirigentes sindicais ou militantes já envolvidos nas pautas debatidas. Ou seja, militância falando para a militância.
Essa situação não é resultado da incapacidade da direção do sindicato, composta por ativistas sérios e comprometidos com as lutas da classe trabalhadora. O problema está na ausência de mobilização real. Os sindicatos precisam retomar sua vocação histórica de organizar os trabalhadores e trabalhadoras, com base na formação sindical e política.
Assisti ao vídeo do evento, disponível no YouTube, que até agora conta com pouco mais de 800 visualizações — um número modesto até mesmo para os padrões da esquerda organizada. O que se viu foi a encenação de um poder simbólico que não corresponde a nenhuma capacidade real de mobilização social. E é sobre esse tipo de ilusão performática que setores como o PCBR baseiam suas análises sobre “avanços revolucionários”. Isso não é política concreta: é teatro.
Um Depoimento Pessoal: 25 Anos em Nome da Revolução “Puro Sangue”
Falo com a experiência de quem passou 25 anos construindo, organizando e defendendo o PSTU — um partido que se propunha a realizar uma revolução “puro sangue”, dirigida exclusivamente pelos trabalhadores, sem qualquer forma de conciliação. Acreditei nisso com todas as forças.
Durante esse período, enquanto denunciávamos a democracia burguesa e recusávamos alianças táticas, o fascismo ganhava terreno no subsolo da sociedade. Em 2018, vimos o resultado: a vitória de Jair Bolsonaro. Não porque nossa crítica estivesse errada, mas porque subestimamos a complexidade da luta política real. Pagamos um preço alto por nos afastarmos da realidade concreta em nome de uma ideologia abstrata.
O Erro do PCBR: Imaginação Substituindo a Realidade
O ativista do PCBR sustenta que alianças amplas, como a que sustenta o governo Lula, seriam uma traição de classe. Mas ignora que não existe hoje no Brasil correlação de forças que permita uma ruptura revolucionária isolada, sem apoio popular massivo e sem articulação com setores progressistas diversos.
O vanguardismo que defende não constrói poder popular — ao contrário, isola a esquerda da classe trabalhadora, que lida cotidianamente com as contradições do sistema e busca melhorias imediatas: salário, saúde, educação, segurança. A revolução não virá de podcasts ou panfletos doutrinários, mas da ação organizada das massas — se e quando houver base real para isso.
Valério Arcary do PSOL e a Dureza da Militância Real
Valério Arcary, um dos mais experientes militantes da esquerda socialista brasileira, nos oferece uma reflexão fundamental. Participante da Revolução dos Cravos em Portugal, ex-dirigente do PT e da CUT, primeiro presidente do PSTU e atualmente, ao lado de Guilherme Boulos, um dos principais dirigentes do PSOL, Arcary sabe que mobilizar a classe trabalhadora é tarefa lenta, repleta de rupturas e recomeços.
Tenho orgulho de ter militado ao seu lado por mais de vinte anos na construção do PSTU. Hoje, estou no PT, atuando na corrente Articulação CNB, convicto de que não existe luta consequente pelo socialismo no Brasil sem o fortalecimento do Partido dos Trabalhadores. Da mesma forma, não há sindicalismo combativo capaz de contribuir para a superação do capitalismo sem a CUT como instrumento de organização, formação e luta da classe trabalhadora.
Para Arcary, construir uma alternativa socialista exige disputar a institucionalidade democrática, acumulando forças e construindo hegemonia. Negar essa realidade é ceder ao delírio voluntarista de uma revolução que só existe na cabeça de militantes desconectados do chão da fábrica, dos sindicatos e das periferias.
2026: Em Jogo, a Sobrevivência da Democracia
O cenário eleitoral de 2026 será decisivo. O bolsonarismo, embora ferido, segue vivo, com base social organizada e apetite por poder. Nesse contexto, a frente ampla que sustenta o governo Lula não é uma concessão vergonhosa – é uma trincheira necessária. Trata-se de garantir a sobrevivência da democracia, não de nutrir ilusões institucionais.
Abandonar essa frente em nome de uma pureza ideológica abstrata é, na prática, abrir caminho para o avanço da extrema-direita. Não se trata de abdicar do horizonte socialista, mas de reconhecer que ele não virá sem democracia, sem organização concreta e sem mobilização popular.
Conclusão: Um Caminho Concreto para o Socialismo
A esquerda brasileira precisa romper com a bolha. É preciso disputar o presente com responsabilidade, estratégia e compromisso com as urgências do povo. A crítica à ordem deve vir acompanhada da construção de hegemonia – o que exige unidade tática, formação política e base social enraizada.
Defendemos, sim, uma frente ampla de governo, composta por setores democráticos e populares, em defesa da democracia, da soberania nacional e dos direitos sociais. Dentro dessa frente, cabe à esquerda socialista organizar uma fração combativa, que impulsione o desenvolvimento com justiça social e ambiental, acumulando forças para que o socialismo deixe de ser uma utopia distante e se torne uma possibilidade concreta, viável e necessária.
Porque, como dizia Lênin, sem análise concreta da situação concreta, não há política revolucionária – só autoengano.
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